Artes liberais: plataforma metodológica para a formação clássica

Qual a finalidade deste projeto?

Fomentar, desde cedo, o desejo pela sabedoria nos alunos. Se lermos a Sagrada Escritura, no livro dos IReis encontramos essa passagem sobre Salomão:

“O Senhor apareceu-lhe em sonhos em Gabaon durante a noite e disse-lhe: “Pede-me o que queres que eu te dê… Dai, pois, ao vosso servo um coração sábio, capaz de julgar o vosso povo e discernir entre o bem e o mal. Pois sem isso quem poderia julgar o vosso povo tão numeroso?”. O Senhor agradou-se dessa oração e disse a Salomão: “Pois que me fizeste esse pedido e não pediste nem longa vida, nem riqueza, nem a morte de teus inimigos, mas sim inteligência para praticar a justiça. Vou satisfazer o teu desejo. Eu te dou um coração tão sábio e inteligente como nunca houve outro igual antes de ti e nem haverá depois de ti.

Quais meios utilizamos para isso?

Utilizamos (no momento apenas eu, mas espero que surjam mais professores) das artes liberais. O fim de nossa educação não é o ensino das artes liberais, se isto fosse, bastaria reunir um professor especializado para cada um delas, juntá-los, e ministrá-las. O fim de nossa educação é a sabedoria, cujo fruto último é a bem-aventurança. Contudo, para alcançá-la - melhor, para ir-lhe alcançando - é necessário alguns meios.

Da pergunta anterior se depreende que conceder um diploma, ou introduzir numa carreira profissional também não é nosso intento - senão apenas como efeito colateral -, pois a finalidade desta educação consiste em formar o aluno naquilo que ele tem dentro de si, não naquilo que há fora dele. Com robustez interior se supera qualquer circunstância exterior. Também não consiste em formar alguém meramente virtuoso, que tenha retidão e bons afetos, mas em explorar e direcionar as virtudes e os bons afetos para a busca da verdade, para a sabedoria. As artes, as belas artes, as virtudes, são meios, portanto: a sabedoria é o fim, sem cujos meios mais dificilmente é alcançada.

O que são as artes liberais?

São aquelas disciplinas em função das quais se pode aprender qualquer outro assunto. Elas são, portanto, propedêuticas à sabedoria, ou, numa sociedade saudável, à aprendizagem racional de qualquer assunto. Elas exploram os horizontes intelectuais e morais do aluno, ao invés de sufocá-lo numa especialidade. A especialidade tem o seu valor na formação de trabalhadores, de profissionais, mas resulta em completo fracasso diante do panorama integral que a formação humana requer.

São ditas liberais por três motivos:

  1. Porque ensinam a ler (livro, em latim, se diz liber);

  2. Porque orientam à contemplação. Com efeito, são empreendidas durante o ócio, no tempo livre. Não me refiro ao ócio no sentido de tempo “ocioso”, como dizemos hoje, mas o tempo em que se pode dedicar aos bens do espírito, uma vez que os bens do corpo - comida e moradia - já foram dignamente alcançados;

  3. E porque conduzem à liberdade, isto é, ao amor do bem mediado pela razão, pela consciência desse bem, pela verdade desse bem. Nessa tradição aqui, a liberdade é uma virtude alcançada após esmerados esforços.

Em seu conjunto, foram elencadas pelo cristão Marciano Capela (séculos IV-V), sofrendo quanto ao método, mais tarde, algumas alterações no século XII. Elas já eram empreendidas no contexto helenístico e pelos romanos, mas só então com os cristãos (Clemente de Alexandria, Orígenes, Boécio, Santo Agostinho, Alcuíno e Hugo de São Vítor) é que ganham solidez e identidade institucional.

Esse método começou a decair ao longo dos séculos XIV e XV, entrando em crise a partir do século XVIII, sendo totalmente suprimido, praticamente em todo o mundo, na primeira metade do século XX. A Universidade de Viena, ao longo do Império Austro-Húngaro, resquício do Sacro Império Romano-Germânico, foi o último suspiro desse ideal educacional - já então em ruínas.

O principal motivo pela sua decadência poderia se desdobrar em três breves respostas:

  1. A pressão generalizada (de empresas e governos) por uma formação puramente técnica, que priorizasse o mercado de trabalho.

  2. A obrigatoriedade do ensino, que levou ao afã por um método que nivelasse os alunos por meio de exames e classes. Não mais explorando os talentos individuais.

  3. As ideologias que concebem o homem como uma peça da engrenagem social (quer como um peão de fábrica, quer como um agente revolucionário). Num contexto amplamente ativista como esse, a sabedoria só poderia ser vista em termos proporcionais: como uma mercadoria ou como meio revolucionário.


Quais são as artes liberais?

Trivium (artes que envolvem a palavra)

  1. Literatura

  • Facilidade em dar uma forma verbal à experiência circundante.

  • Capacidade de extrair todas as informações que um texto pode dar.

  • Ampla capacidade de composição literária.

  • Capacidade de memorizar e associar conhecimento de áreas diferentes.

  1. Retórica

  • Capacidade de examinar as repercussões práticas de um argumento ou ideia.

  • Capacidade de mobilizar o outro na direção desse bem.

  • Encarnação da beleza pelos atos. E isto requer o fomento à admiração realizado acima.

  1. Dialética

  • Capacidade de sustentar um raciocínio abstrato por longo tempo.

  • Capacidade de sopesar as várias posições a respeito de um assunto extraindo delas uma solução conforme à verdade.

  • Capacidade de enxergar a verdade em meio aos argumentos. E isto requer o fomento à vida virtuosa realizado acima.

Quadrivium (Artes que envolvem a realidade - sobretudo numérica)

  1. Aritmética: capacidade de apreender as unidades numéricas e suas relações de proporção, ordem e medida.

  2. Geometria: capacidade de descrever essas realidades segundo sua extensão.

  3. Cosmologia: capacidade de apreendê-las sob a ótica de suas relações de movimento.

  4. Música: capacidade de expressá-las segundo suas relações harmônicas.


Elas perfazem a capacidade de abstrair da realidade as suas formas estáveis e harmônicas. Não são, aqui, de modo algum, um punhado de fórmulas aprendidas na apostila. Elas se orientam à capacidade individual de lidar com a realidade circundante.

Aliás, é necessário ressaltar que o nome dessas artes pouco têm de parecido, em seu conteúdo, com o uso atual atribuído a elas.

As artes liberais são também chamadas de propedêuticas

Isto é, prévias ao estudo em geral. No caso do Studium, são empregadas, ao longo dos anos, para o estudo da Sagrada Escritura. E, ao fim dessa formação, para introduzir-se na filosofia e em suas áreas. Neste caso, apenas aos que se sentirem inclinados a ter no ensino a sua profissão. No caso dos alunos que seguem outros rumos profissionais, mais específicos, terão eles os meios gerais de exercerem uma vida plena e amplamente humana, tendo consciência do seu lugar na sociedade.

Em que medida isso é replicável agora, não está desatualizado (o método)?

Não, não está desatualizado. Quanto ao seu fim imediato (capacitar o aluno à aprendizagem de qualquer assunto), podemos dizer que é perene. Desde Platão funciona mais ou menos nesse esquema. Até hoje assim funciona, ainda hoje as habilidades mais fundamentais continuam sendo a linguagem e a matemática. No entanto, podemos dizer que não há mais, substancialmente, nem gramática nem matemática, porque a finalidade última dessas técnicas não é a sabedoria. Por motivos diferentes, ambas foram desgastadas.

A linguagem, atualmente, é cobrada não mais para explorar no aluno a capacidade de exprimir os sentimentos e as ideias superiores, bastando o manuseio medianamente articulado e escrito do vocabulário comum e vulgar, pois é este que emprega. Já as matemáticas, por outro lado, de tão abstraídas da realidade, acabam sendo um refúgio técnico, que com o tempo vão ser substituídos pelos programas computacionais. Os alunos não saem das aulas de matemática à caça de aplicar seus novos conhecimentos ao mundo natural, porque nem mesmo são capazes de conceber que servem a isso. Muito pelo contrário, saem no esforço de decorá-los e aplicá-los até a próxima prova. O desgaste de ambas é inevitável, pois, no esquema atual, são valorizadas no mesmo nível que se compra algo no atacadão.

Sobre a aplicabilidade das artes liberais atualmente, restaria dizer o seguinte: não seria pegando as disciplinas que existem hoje, pensando que, por terem o mesmo nome magicamente tragam consigo o mesmo conteúdo e as mesmas disposições, e, juntando-as, teríamos as artes liberais. Não se obteria o trivium juntando um professor de gramática recém-formado, com um especialista em retórica e mais um lógico.

Como atualmente somos imbuídos por certa mentalidade materialista, a gente pensa que as disciplinas - que são faculdades/virtudes da alma - são coisas que estão por aí (por exemplo: em livros) ou que os alunos fazem, cujo resultado é um diploma, a aprovação no vestibular; as quais a gente compra com dinheiro ou solicita como um serviço pronto. 

Por que essas artes são importantes, por caso são algo como um hobby, ou uma atividade a mais, complementar, como esporte ou piano, por exemplo?

Não poderia estar mais errada uma visão desse tipo. Em certa medida, podemos dizer que essas artes devem ser ensinadas com prejuízo do homem deixar de ser homem. São essenciais. Porque ensinam a usar a inteligência. Não apenas ao longo dos anos de escola, mas para a vida toda. Diferentemente da escola atual, este ensino não consiste em despejar no ouvido do aluno toneladas de informações por quatro, cinco, às vezes oito horas por dia. Não subestimamos o homem ao ponto da animalidade. Isto não significa que não sejam exigentes, senão apenas que a exigência que elas custam é a mera exigência do aluno tornar-se plenamente humano, livre, consciente dos próprios atos, capaz de ser coerente e defender solidamente os princípios a que adere. Se o aluno a isto não está disposto, evidentemente não poderia ser educado,  o que é um outro modo para dizer que não poderia ser aceito na escola. 

Deixo aqui, aliás, três testemunhos, o primeiro é de Dorothy Sayers falando da educação americana, em seu ensaio sobre as artes liberais, intitulado “The last tools of learning". Se considerarmos a perplexidade com que descreve sobre a educação em seu país, ao mesmo tempo levando em conta que a educação americana é tremendamente superior à brasileira, só poderemos concluir que a língua portuguesa não poderia dispor de adjetivos adequados para ilustrar o paradigma educacional generalizado em nosso país.

“Você acha que as pessoas jovens, ao deixarem a escola, não somente se esquecem muito do que aprenderam (isto somente é o esperado), mas também se esquecem, ou traem-se por nunca haverem na verdade aprendido, como lidar sozinhos com um assunto novo? Você se incomoda com frequência ao encontrar-se com homens e mulheres adultos que parecem incapazes de distinguir entre um livro que seja bom, acadêmico e apropriadamente documentado e um que seja, para qualquer olho treinado, notadamente nada daquilo? Ou que não consigam manusear um catálogo de biblioteca? Ou que, quando face a face com um livro de referência, demonstrem uma curiosa incapacidade de extrair dali as passagens relevantes para o assunto que lhes seja de particular interesse?”

A perplexidade de Sayers, na verdade, já fora prenunciada pela advertência que o grupo de professores da Universidade de Yale fez, lá em 1820. Esses professores advertiram que a simples supressão do ensino das línguas clássicas (latim e grego) nas escolas poderia trazer consequências catastróficas a toda a educação do país. Dito e feito: todas as ideologias nefastas cuja ascensão estamos assistindo atualmente foram germinadas ou favorecidas pelo sistema universitário americano ao longo dos últimos 70 anos. Se a educação se torna apenas um meio para certas funções práticas, é evidente que em pouco tempo todo o currículo se transfigura numa modalidade de engenharia social em larga escala.


O segundo relato. Segue um excerto do relato dos professores Yale, trata-se de um diagnóstico feito pelos professores da universidade de Yale mostrando o perigo de transformar o ensino numa preparação para o mercado de trabalho, assim como a catástrofe que poderia ocorrer com a supressão do ensino das línguas clássicas. Essas coisas já estavam acontecendo. Vejam bem: 1828! O emburrecimento que estamos vendo hoje, em seus efeitos, decorre da própria índole do sistema educacional vigente.

“Isso, estamos bem convencidos, é, de longe, preferível a uma educação superficial. Dentre todos os métodos de ensino oferecidos ao público, esse, que se propõe a ensinar quase tudo em pouco tempo é é o mais absurdo. Dessa maneira, nada é efetivamente ensinado. O aluno é conduzido com tamanha rapidez pela superfície que mal permanece algum vestígio de seus passos, ao terminar o curso. O que ele aprendeu, ou pensa que aprendeu, é apenas suficiente para inflar sua vaidade, expô-lo à observação pública e render-lhe o escárnio de homens de bom senso e sa-piência. Uma educação parcial costuma ser conveniente; uma educação superficial jamais o é. Qualquer coisa que um jovem se comprometa a aprender, não importa quão pequena, ele deve aprendê-la de modo tão efetivo que possa propiciar-lhe algum uso prático dela.”

E mais: o próprio relatório é fruto de um sistema decadente NAQUELA ÉPOCA. Em outras palavras: era já muito enfermo indicando a sua própria doença. O relatório aponta a doença mas não é capaz de apontar suas causas profundas reais, mas tão só os efeitos desastrosos imediatos. O relatório, de 1828, é algo como alguém doente gemendo sem saber onde está realmente o epicentro da dor.

O terceiro relato é de José Monir Nasser, uma das mentes mais lúcidas que já passaram pelo Brasil. Responsável por importar para essas bandas os livros de Mortimer Adler e Miriam Joseph, os quais desejavam restaurar, lá nos Estados Unidos, as tão já esquecidas artes.

“Imagina que depois de 8 anos, onde raptamos as crianças por cinco horas ao dia, gastando um quarto do orçamento público, e ainda assim o resultado é uma burrice generalizada. A eficiência de algo assim é ridícula… Mas a nossa revolta vai até o ponto onde a gente entende que o que estamos vendo é meramente ensino (no sentido utilitarista), não Educação (formação do homem em seu sentido pleno).”

A urgência das artes liberais não advém duma necessidade momentânea, em que se vê que há deficiências no ensino oficial aqui e acolá. Bem pudera ser isso. Não. Também não advém do fato das escolas andarem ideologizadas, nem tampouco pela necessidade de prover um bom ensino cristão às crianças e aos jovens, ou uma sã afetividade. Sua urgência advém do fato de que, sem elas, as crianças não apenas se tornam ineptas para habilidades básicas, como associar o que se leu com a vida prática, ou a realidade, mas do fato de que a burrice se torna aos poucos o próprio método. Não adianta, dentro do quadro geral do ensino, querer o bem sem enxergá-lo na inteligência. Isso funciona para uma ou duas gerações, no máximo.

Os alunos não saem mal-educados, mas educados em ser burros. E não estou dizendo que isto é uma ocorrência restrita a uma ou outra escola, ou àquelas onde a tecnologia de ensino é mais precarizada, mas que consiste no método mesmo de ensino empregado em sua índole, mais ou menos conscientemente, em todas as escolas do país e defendido pelas teses de pedagogia na universidade, à custa do orçamento de cada um de nós. Trata-se de um método irreformável. A urgência dessas artes não é de momento, com efeito, mas de sempre. Ou elas são ensinadas, ou as gerações vão gradualmente ensinando as seguintes a se distanciar do coeficiente normal de inteligência que confere ao homem a dignidade de ser humano.

Seria possível aplicá-las pelo homeschooling?

É necessário também entender que essas artes são artes no sentido profundo da palavra: são virtudes. São faculdades de uma pessoa, que permitem sua inteligência desabrochar, não são partes quantitativas que quando reunidas formam um todo maior, como no exemplo que dei. Elas são aprendidas, sobretudo, se observadas em ato noutra pessoa. Mais, se esta pessoa as desperta em outro, nisto consiste o ofício docente. Em ato e segundo o seu fim: a sabedoria. Um professor de gramática não busca a sabedoria, busca ensinar gramática, um professor de lógica o mesmo. Essas artes só podem ser exploradas segundo seu fim próprio se conjugadas num todo indivisível, se empreendidas integradas na alma de uma só pessoa, ou de alguns por ela dirigidos.

É o que os medievais costumavam chamar de studium vivendi, o desejo desinteressado pelo saber que me leva a viver tal como se deve viver para alcançar esse saber. Esse modo de vida sábio era eminentemente assimilado pela convivência entre professor e aluno. O professor não era exatamente um preceptor que aconselhava o aluno, mas alguém que o aluno desejava ser, quase que espontaneamente. Era vendo o professor usando essas artes, e ensinando-as, com o fim de penetrar a verdade, que os alunos se animavam a fazer o mesmo. Para isso, é necessário, substancialmente, professores, pessoas.

Nossa mentalidade materialista e consumista nos faz achar que essas artes são assuntos presentes em um livro, de modo que, comprando os livros que tratam sobre eles e lendo-os, já se obterá as tão sonhadas artes. Se pensarmos bem, essa mentalidade é a mesmíssima daquela sobre que escrevi no tópico anterior. O livro, em si mesmo, não ensina nada.

Elas podem ser ensinadas EaD?

Não. Aliás, o melhor meio de não ensiná-las, se bem compreendermos o que já foi dito acima, é justamente separando professor e aluno. O ensino EaD, ao contrário do que mentirosamente propagam, não é uma nova plataforma de ensino. Ele é, substancialmente, uma consequência natural do tipo educacional contemporâneo. O paradigma educacional atual é tecnocrata, o qual transforma o professor num repeteco e o aluno num gravador, paulatinamente. O surgimento do ensino à distância é apenas consequência de tudo isso. Em um futuro não muito distante, a tendência é que ele seja quase que majoritário. A pretensão é que seja universal, menos para a elite que, para manter-no poder, necessita usar um pouco mais o cérebro. Sem o convívio entre alguém que as emprega rumo à sabedoria e postulantes à sabedoria, são impossíveis de serem ensinadas. Isto porque, além dessas artes, há muitas outras coisas que são ensinadas junto com o ensino formal delas. Resumidamente: dizer que é possível ensino EaD, substancialmente, é admitir que é possível paternidade por correspondência ou maternidade por chamadas de vídeo.

Esse ensino substitui a escola atual ou o homeschooling?

Não. Se ele pretendesse substituir, tratar-se-ia da mesma coisa com algumas mudanças. Ninguém substitui uma cadeira por um tapete decorativo, mas por outra cadeira mais satisfatória. Nesse sentido, parece ser o homeschooling uma opção para substituir a escola atual, não as artes liberais. O homeschooling é um fenômeno tão recente quanto a escola atual, chamada de escola nova. Ele surgiu justamente da insatisfação dos pais com os métodos de ensino atuais.

Quais os frutos?

O fruto pretendido é só: despertar-se desde cedo para a sabedoria. Desdobradamente, isso significa:

1. Educação dos hábitos naturais

Educação da sensibilidade, da imaginação ; a fim de buscarem o que é bem do concupiscível e do irascível.

2. Educação dos hábitos práticos

Educação da faculdade cogitativa - faculdade humana capaz de discernir as coisas singulares - em ordem ao trato da experiência, ou a educação das artes, a fim de conseguirem exprimir o que conhecem e a fazer o que concebem segundo o bem das coisas. A chamada educação artística.

3. Educação dos hábitos morais

Educação pela ordenação dos afetos para a busca do bem próprio do homem, expresso nas artes e desejado pela própria natureza. Trata-se da educação dos afetos humanos em ordem à felicidade, ou bem-aventurança.

4. Educação dos hábitos especulativos

Educação com vistas à contemplação do bem em sua unidade e verdade, à ciência do que é próprio da natureza própria do homem, o universal. Ou educação filosófica ou científica, ordenadas à graça sobrenatural.

Isso tudo é ensinado de modo unitário: não há uma disciplina chamada ‘moral e cívica’, nem uma apostila com belas pinturas, nem um compilado de virtudes a serem trabalhadas. Tudo isso é desdobrado do que se vê em aula. Porque, repito, essas coisas são capacidades de uma pessoal real, não são poderes adquiridos após virarmos a última página do livro. É necessário despertar-lhes a admiração pelo real e o amor ao bem mediante o exercício da razão. Tendo isso, saberão reconhecer - ou mesmo empreender como artistas - a beleza e a virtude onde quer estejam.

Ainda assim, isso ajudaria a passar no vestibular?

Ainda que não seja o objetivo, considerando que os vestibulandos normalmente não possuem, na prática, nem mesmo a alfabetização completa, ajuda grandemente. Por quê? Porque essas artes exploram ao máximo a inteligência. Um dos temores dos pais é que seus filhos não estão indo bem na escola, o que os leva a dobrar-lhes o turno, trancafiando-os num cubículo, receosos de que não atinjam a excelência. No entanto, necessito dizer uma dura verdade: praticamente tudo que seu filho aprende será esquecido logo no ano seguinte - isto é algo comprovado.

É só nos dois últimos anos de ensino médio que, normalmente, os alunos se dedicam mais propriamente ao estudo: justamente porque veem, agora mais proximamente, sua finalidade prática: passar no vestibular. O fato dos alunos se esquecerem não é exatamente culpa deles, mas fruto da intenção mesma desse método. Mesmo alguém exímio em matemática, ao final do terceiro ano do ensino médio, se lhe perguntamos o que é número, não saberá responder, porque nunca considerou os números, as proporções e as formas na realidade, mas como um conjunto de regrinhas. Há um instinto natural no aluno que o faz perceber que tudo isso que é ensinado deve ser legado ao esquecimento, pois não o insere no mundo real, mas dele o aparta. Se os pais tivessem uma visão saudável do que é o ensino, na verdade, desejariam que seus filhos mais se dedicassem a essas artes e, perifericamente, ao ensino cobrado oficialmente. Isto não seria um preciosismo, mas exercício de sanidade e amor ao próximo (seus filhos).

Como isto impacta na vida profissional?

Não há vocação profissional mais admirável do aquela que fazemos por amor, como um chamado a servir a Deus na singeleza dos pequenos atos, na dedicação à boa obra por amor àquele que será beneficiado por ela. O futuro profissional que tenha sido instruído minimamente nessas artes, porque exigem o livre interesse, será um trabalhador que vê no trabalho um motivo de grandeza, não de mesquinhez. Esse é o retorno de uma educação que exercita a sã liberdade humana, que orienta a razão ao bem. Não como um slogan ou uma proposta de boca, mas dentro da estrutura intrínseca do método. Esse fruto não é anexo ao método, não é confeccionado apesar do que é ensinado, mas precisamente em função do que é ensinado.

Os frutos desse ensino são imediatos?

Não. Na verdade, considerando que estamos numa sociedade avessa ao amor desinteressado por algo, quando se trata da sabedoria, é necessário um longo processo de “assentamento” pedagógico. Onde o professor identifica de onde é necessário partir para preparar o aluno para essas artes. Hoje em dia é necessário lapidar algumas faculdades básicas, como a própria sensibilidade, antes de ir às disciplinas mais diretamente. Esse tipo de ensino tem fruto geracional na escala dos séculos. Numa pessoa, mais se revelam ao longo da vida adulta, pois é aqui que ela irá estabelecer as prioridades de sua vida, se é promover o bem e buscar as coisas do alto ou outra coisa.